
CIDINHA
AUTORA: A Coaraciense Olinda Bernardes Costa
Cidinha era uma escrava linda, uma mulher muito atraente e quando passava para o cafezal o seu Senhorio babava. Ela sabia e tornava-se mais graciosa mostrando um rebolado ainda mais atraente para chamar a sua atenção, escondia o fato de Francisco Perna Torta que era um capoeira valente, e só vivia de cara fechada, era de pouca conversa, por isso provocava a ira do capataz da fazenda, Dodô o malvado. Este por sua vez viva de olho em Perna Torta pois sabia que o negro era a paixão de Cidinha, por varias vezes viu Francisco esfregando-se com Cidinha nos recantos da fazenda. Ficava de tocaia e sentia um ciúme doentio. Fazia planos mirabolantes para castigar Francisco Perna Torta por vingança e inveja, por qualquer motivo deixava o negro de castigo, os dois disputavam a escrava. Para ter Cidinha, o capataz venderia a alma pro diabo e colocar Francisco Perna Torta no tronco era uma satisfação pessoal dele e do fazendeiro. Francisco Perna Torta não tinha medo do capataz, que tinha prazer em queimar sua pele com chicotadas. O capataz sabia planejar como levar o escravo para o tronco.
-Cidinha era uma escrava arisca sua distração era ir a mata encontrar Perna Torta. O fazendeiro atraído pela negra autorizava seu capataz a prender Perna Torta e deixá-lo no tronco e mandava castigá-lo com quarenta chicotadas.
Para pegar Francisco o malvado capataz fingiu que não estava de olho casal e facilitou a saída deles para o cafezal. Cidinha era muito fogosa foi ao encontro de Francisco, ela percebe que é seguida pelo capataz da fazenda. Francisco espera ansiosamente por ela que não aparece, pois tentava despistar o capataz e livrar seu amor do tronco. Era final de colheita todos os negros comemoravam com cantorias e danças. No terreiro em volta da senzala fizeram uma enorme fogueira. A senzala era em baixo da grande casa da fazenda, de onde o fazendeiro sentia e via tudo o que acontecia. O terreiro era calcetado com pedras quebradas pelos escravos, onde se espalhava todo o café da colheita, sob a vigilância do Senhorio; A noite virou salão para a festa dos negros, Cidinha vestiu-se em uma roupa colada ao corpo com uma flor no cabelo, ela se joga de corpo e alma à dança chama atenção do fazendeiro que olhava da janela da casa grande, e do capataz enciumado. E ele vai acabar com a festa dos dois. Prende Francisco ao tronco. De longe Cidinha acompanha seu negro sendo chicoteado injustamente e planeja vingança, o capataz e caçador de negros está com dias contados, como parte do plano Cidinha procura o capataz e pede para tirar Perna Torta do tronco. Ela oferece a ele o que sempre quis ter, seu corpo. Ele marca um encontro na beira do rio em baixo das arvores, e ela vai ao encontro.
Ela promete deitar com ele depois que vê Perna Torta, solto fora do tronco, ele aceita e o deixa na senzala de castigo, então ela vai ao encontro do terrível capataz, o plano do casal finalmente vai se realizar. Francisco Perna Torta esconde-se no lugar do encontro, o capataz sem saber de nada, estava ansioso, sedento do corpo de Cidinha, com isso baixou a guarda, tirou as armas e preparou-se para recebê-la, com os dentes de fora. Cidinha chega cheia de chamego, era parte da vingança que estava ali e ele não sabia.
Mandou que o homem tirasse a roupa e deitasse, quando foi rendido por Francisco, que apontou-lhe o facão amolado próximo ao pescoço. Amarram o capataz em uma grande árvore de cabeça para baixo, Cidinha ajuda seu negro Francisco Perna Torta a fugir da fazenda, os dois fazem amor na frente do capataz, que depois tem a garganta cortada. Francisco foge, vai embora e Cidinha fica na fazenda.
Dois dias depois encontram o corpo do capataz pendurado e morto. A culpa cai sobre Francisco Perna Torta. Na fazenda o trabalho volta a sua rotina normal e Francisco Perna Torta esta bem longe. Antes de fugir o negro ouviu de Cidinha a promessa que o encontraria. O fazendeiro procura Cidinha para saber o motivo da fuga e a negra conta que ele matou o capataz, que o perseguia inventando desculpas para coloca-lo no tronco, depois se insinuou ao Fazendeiro fazendo-o esquecer do acontecimento do crime. Ele não se esqueceu do crime, mais a queria muito, ordena a esposa colocar Cidinha na casa grande para fazer os trabalhos domésticos e consegue possuí-la. Cidinha vai viver na casa grande de onde segue para a cidade pra comprar roupas com a patroa. O fazendeiro por sua vez não esquece e não para de procurar o negro Francisco Perna Torta. Mas Cidinha se enrola sempre na cama com seu dono e faz de tudo para conquistar sua liberdade, quando finalmente torna-se livre e de posse de sua carta de alforria, muito esperta numa noite de amor e caricias consegue a carta de alforria de Francisco Perna Torta. Em uma escapulida noturna, foge e viaja para o Rio de janeiro com a intenção de procurar o seu amor que já esta livre. La chegando, no bairro combinado com Francisco vê um negro fardado, imediatamente ela o reconhece pelas pernas tortas os dois abraçam-se e livres vão viver uma nova vida, sem medo , sem grilhões, sem chicotadas.
CABARÉ DO ZUZINHA
Fonte Alfeu Amaral
Criação de PauloSNSantana
Não sei se o Cabaré de Zuzinha ainda existe, ficava lá pras bandas de Itapitanga, lugar bom, gente boa. Esta estória aconteceu há muitos anos atrás no Cabaré do Zuzinha que era frequentado por gente boa da sociedade, mas gente perigosa também arrastava chinelo por lá. Lugar de mulheres cheirosas, livres e disponíveis, era lá que os homens descarregavam o stress e energia. Todos os dias tinha fuzuê, o astro rei do lugar era Waldick Soriano, a radiola vivia ligada, a cerveja era gelada e a cachaça era destilada, mas se vendia conhaque e uísque pros Coronéis.
Havia no município uma pequena delegacia, e um posto policial, o lugar era calmo e ninguém andava armado; Vez por outra havia uma bagunça, uma briga com facão e biscó, pra não falar nas peixeiras afiadinhas pra cortar o bucho do metido a valente.
O irmão de Alfeu, soldado Amaral servia em Itapitanga, na época foi encarregado das rondas noturnas, principalmente pros lados do brega, movimentado, problemático, um point masculino da região, onde discutia-se politica, vida dos outros e podia-se ouvir algumas histórias picantes de bebuns ciumentos e mulheres insatisfeitas. Uma ocasião, acho que numa sexta-feira, no finalzinho da noite, quando todos já haviam passado pelas camas do cabaré, e alguns bêbados já dormiam nas mesas repletas de garrafas vazias, estourou um bafafá num dos quartos; Dois homens brigavam por um mulher bêbada que ainda estava consciente e valente o bastante pra enfrentar os dois e pra expulsá-los do seu quarto, que não era de hotel muito menos de motel. Briga de bêbados quase inconscientes que necessitou da pequena guarnição para botar ordem no lugar; chega na frente o soldado Amaral, armado com seu revolver trinta e oito e o sargento comandante arrumando o seu cinturão logo atrás; Ouve-se gritos tapas, rasteiras, móveis caindo; Repentinamente um dos brigões puxa um objeto esquisito e enfia na barriga de seu desafeto, que assustado grita terrivelmente, morri! Ele me matou! Minha mão está cheia de sangue, é uma meleira, socorro seu policial; A briga acaba ali mesmo, e quando o soldado Amaram vai conferir o que houve e a profundidade da perfuração, solta uma gargalhada e grita para a vitima desesperada: - Ei valentão, levanta dai, não foi uma faca que seu inimigo enfiou na sua barriga foi uma banana d'agua madura que quase vira uma vitamina.
Todos caíram na gargalhada, a briga transformou-se em um grade bacanal, os brigões queriam até se abraçar e a mulher seminua vestia suas roupas intimas suspirando de alívio por não ter acontecido coisa pior; Os dois brigões passaram a noite no xilindró comendo o resto das bananas d'água, e bebendo o café do delegado.
Acredite se quiser!
FUI POBRE COM MUITO ORGULHO.
EU MOREI EM UMA CASA DE TAIPA
História de vida de Wellington Barbosa
Texto da narrativa adaptado por PauloSNSantana
No dia 11 de Abril, fui ao bar de Maria como sempre faço nos dias de sábado, pra beber umas cervejas e conversar com amigos, e lá estava sentado já bebendo a sua cerveja o amigo Wellington Barbosa, que foi Gerente da Agência do Banco do Brasil de Coaraci, um cara simples, boa praça, sorridente, muito educado, com um bom conteúdo e na oportunidade Maria a proprietária do Barzinho, passou as suas mãos um exemplar do Caderno Cultural nº 52, que trazia na contracapa a imagem de uma casa de taipa, construída por Reginaldo filho de Regi, na oficina deles, para servir de uma espécie de museu de objetos antigos da região e também um local para realização de festas e forrós. Assim que Wellington bateu os olhos na imagem, disse que veio um filme em sua mente sobre a sua infância pobre mas muito feliz, e passou a narrar a sua história. Tão fantástica e incomum que pedi permissão para gravar e publicar no nosso informativo cultural. Permissão concedida, leia a sua extraordinária narração.
- Na infância nós éramos nove irmãos. Morávamos em uma casa de “Taipa”. A diferença que vejo entre a casa construída por Reginaldo filho de Rege é que a minha casa tinha telhado. Mas o estilo de construção era o mesmo, a cobertura era de telha, não essa colonial bonita de cerâmica, mas era telha de barro, um tipo de telha irregular, mas que atendia às necessidades da família. A minha lembrança maior, uma coisa que trago pra minha vida pessoal e profissional é a qualidade das coisas sem o exagero do luxo, a qualidade na simplicidade, eu me lembro do chão de barro, era um piso batido, um piso de barro batido que era uma coisa bonita pra mim, era tão liso que não tinha partículas do próprio barro soltas, era liso e bonito, nas épocas de festa Natal, final de ano, minha mãe jogava areia de praia sobre o piso de barro, era um anúncio, um prenúncio de que teria festa na casa. Minha mãe jogava também, folhas de pitanga, colocava também no jarro na mesa, aquelas folhas pintadas de cor de prata ou cor de ouro. Anunciando festa, que a casa tinha que estar em festa. Mais um retrato da qualidade das coisas é que agente olhava na pequena cozinha e via as panelas de alumínio ainda que velhas e amassadas tão ariadas que você podia se espelhar, era um brilho só, era um brilho feito com sabão em pedra, bombril ou então com areia, com uma bucha com sabão e areia, e ficava mais brilhosa, mais luminosa que estas panelas de aço inox que agente tem hoje em nossa casa, entendeu? Não perdia em nada na beleza, na qualidade, poxa... Demais! Lembro-me também dos lençóis e dos cobertores das camas com colchão de capim, ou então mola com capim, tinha aquele cheiro do capim seco e os cobertores com aquelas “fuxicos”, florezinhas feitas com retalho colorido, coisa bonita. Na cozinha minha mãe tinha os panos de pratos feitos de panos de sacos de farinha ou de açúcar bem lavados, bem escovados, eles ficavam bem alvos, mais brancos que os lençóis que agente tem hoje em nossa casa e isso tudo não perdia em nada a beleza a qualidade, não perdia em nada. Eu sinto realmente muita saudade daquele tempo, agente não tinha nenhum recurso, mais tinha qualidade de vida. Nós éramos felizes e sabíamos, não é aquela história de “éramos felizes e não sabíamos”, não, nós éramos felizes e sabíamos. Agente andava descalço na rua, soltávamos arraia, periquito, pipa e papagaio, brincávamos de fura pé, agente brincava de gude, brincávamos na lama, sem medo de pegar uma doença, de pegar um parasita de pegar uma micose, sem medo. Brincávamos na lama. Era uma qualidade diferente, hoje o mundo mudou de uma forma... Naquele tempo se um menino chegasse em casa apanhado da escola ele tomava mais porrada. A professora se batesse na gente na escola, era por que era merecido. Você chegar em casa e dizer minha mãe apanhei na escola, a professora me botou de castigo, ela não ia se dirigir a diretoria da escola e reclamar da professora não.
Ela dizia:
- se a professora lhe bateu é porque você mereceu! E não estou falando de espancamento, eu estou falando do exemplo, do puxão de orelha, do castigo no milho, no quarto escuro, ficar de pé virado pra parede, então eu acho que nós perdemos um bocado de conceito. Perdemos muitos valores.
Eu não sei se a evolução pode ser chamada de evolução, evoluiu, mas se perderam muitas coisas no caminho... Muita coisa ficou perdida pelo tempo. Eu me lembro da minha professora Ester, a diretora da escola Deise, de uma professora de matemática que ninguém gostava que se chamava Maria Augusta, no segundo grau. Essa professora foi tão boa comigo, tão exigente, que eu me lembro de que na época para passar no concurso do Banco do Brasil em 1976, 77, ela que já era autora de livros, que já tinha publicado quatro volumes livros de matemática, me emprestou os quatro volumes, estudei por eles, os livros da professora. Ela era uma professora muito exigente.
Naquela época quando chegava qualquer pessoa na sala de aulas você tinha que levantar-se, às vezes cantar uma musiquinha. Eu me lembro de que agente tinha que aprender os hinos da bandeira, nacional, da sua cidade, da escola, os hinos de cada etapa comemorativa. O hino do soldado, tudo isso, o da marinha isso era interessante, hoje ainda tem gente que não sabe cantar o hino nacional e quem acha que sabe comete alguns equívocos de pronuncia e de grafia, agente naquela época já sabia os hinos de cór. Tínhamos aulas de religião, aulas de música. Eu lembro de duas disciplinas, OSPB, Organização Social e Politica do Brasil. Hoje você forma pessoas que não tem a mínima ideia do que seja politica, dos três poderes, e como é que funcionam e não sabem nem falar sobre o assunto. Outra matéria que faz falta nos dias de hoje e que poderia estar mudando a formação de hoje, é EMC, Educação Moral Cívica, então estas duas matérias juntamente com música e religião fazem falta, deixaram uma lacuna. Eu sou daquela época que tinha artes industriais, estudei em uma escola lá no bairro do Uruguai em Salvador e tinha artes industriais, então você aprendia a trabalhar com marcenaria, a escola tinha um laboratório, outra parte do laboratório tinha aulas sobre manuseio com metais, com flandres, a outra era arte comercial, administração básica, a questão das correspondências, como enviar um telegrama, uma carta, isso se perdeu.
Pra você passar em um vestibular de uma Universidade Pública numa UFBA, era uma dificuldade, eu estudei toda a minha vida em escola pública, inclusive quando fui recrutado para menor aprendiz no Banco do Brasil foi através da escola pública, o Banco foi buscar na escola o menino pobre, mas bom de estudo.
A questão de ser pobre, cara, não vem com esta questão de pobre não. E ali no Uruguai até aonde eu me lembro, agente morava em um aterro sanitário, na península itapagipana e ele foi avançando pro mar um pouquinho através do aterro do lixão. E ali agente se estabeleceu, por que meu pai era motorista do caminhão do lixo, agente se estabeleceu ali, numa casinha provisória que depois resultou neste tipo de habitação de taipa que agente esta conversando e ali mesmo agente aproveitava os recursos do lixo e começamos a fabricar candeeiro, fifó, catávamos latas no lixão e as transformávamos em candeeiro, fifó, bica e carocha, medida, funil, e vendíamos na feira de São Joaquim pra ajudar no sustento da família, eu não tenho nenhuma vergonha e acho que isto veio mesmo a contribuir em minha formação, para valorizar a vida. Toda a minha família mora em Salvador, fora, só tem eu. Ainda temos parentes no Uruguai, que hoje é uma potência, ainda temos primos lá. Um bairro bastante populoso.
E voltando para aquela lembrança da casa de taipa, minha mãe pegava os sacos de açúcar, farinha, e os transformava em cobertores alvinhos, com adereços e franjinhas e não tem ninguém traumatizado com essa pobreza, não tem ninguém envergonhado, é claro que hoje agente procura dar aos nossos filhos uma qualidade melhor porque os tempos mudaram também, hoje não tem necessidade disto. Antigamente eu me lembro de que era comum se tomar remédios de verme. Nunca mais ouvi alguém dizer isso, “vamos tomar remédio de verme”. Antigamente era todo mundo, começava uma coceirinha e dizia-se logo: - esse menino ta é com verme! Hoje ninguém toma remédio de verme. Essas doenças foram pra onde? Essas vermes foram pra onde? Estou fazendo um estudo sobre este fato. Naquela época era difícil ficar doente, pois se consumia mais alimentos naturais, pouca coisa industrializada, passava um cara com um carrinho de mão, vendendo jambo, cerejas, mangas, eram alimentos de quintal mesmo, galinha era de terreiro, não tinha tanta galinha de granja como hoje. Naquela época só se comia galinha aos domingos. Criavam-se galinhas no quintal de casa. Depenava-se o pescoço da galinha, batia com o lado da faca no pescoço dela, no lugar onde iria cortar, para a veia alterar-se, já preparava-se um prato com vinagre ou com sumo de limão para o sangue cair e talhar. Efetuava-se um corte, colhia-se o sangue no prato já com o vinagre, depois se colocava a cabeça e o pescoço da galinha debaixo da sua asa e a deixava num canto enquanto a água estava fervendo... Rsrsrsrsrsr... Comia-se galinha a molho pardo, ensopado e assada, as partes melhores eram para o pai. A mãe gritava de lá: - guarda o peito pra seu pai menino! Rsrsrsr... As crianças almoçavam primeiro e nos dias de domingo todos tinham que almoçar juntos. Outra lembrança que tenho da infância é que o sapato do mais velho ficava para o mais novo e assim sucessivamente, descendo a escadinha, era o sapato, o ki-chute, era a sandália, era a roupa. Hoje vá dizer ao seu filho que ele vai ter que usar o tênis, a camisa, a calça do irmão mais velho pra vê! Não tem nem necessidade realmente. Mas vá dizer! E antigamente era assim mesmo.
Pois é Paulo foi esse conjunto de valores que me trouxe para Coaraci, na verdade, por isso eu achei que fui muito bem acolhido aqui, aqui eu constitui muitos amigos em função do oficio e o meu relacionamento com Coaraci é de vitória em função destes valores que também encontrei aqui.
Finalizou-se o bate papo, com uma chamada no seu celular, ele levantou-se apertou a minha mão com um largo sorriso, despediu-se e saiu.
CASOS DA ROÇA
Eu trabalhei em uma loja de produtos agropecuários por oito anos. E ouvia muitos casos interessantes e bizarros. Tinha dias que não parava de rir, me lembrando das histórias. Vejamos: Certo dia, um fazendeiro conversando normalmente comigo, falou que na noite passada dois elementos com uma Kombi, estavam roubando dois sacos de cacau que já estava pronto para ser vendido. Então perguntei, seu Louro, e na hora o senhor fez o que? Não fiz nada meu querido, me escondi atrás de uma pedra e só saí de lá quando eles tinham ido embora. Pois se não, eles poderiam ser presos não é? “Eu me revoltei vendo aquele homem simples e bom, sendo lesado daquela forma e não ele não deu a única importância”. Aquilo me deixou intrigado: “Dentro desse angu tem caroço”! “Diziam as más línguas que ele era gay, e que um dos ladrões era namorado dele”.
Seu Moises era um homem bastante falante e tinha um grande senso de humor. Ele toda vez que entrava na revenda para comprar, ele dizia: “Não me troco por esses meninos novos de hoje. Só pensam bobagens, gostam de usar drogas e não tem forças para namorar com nenhuma mulher. Mas eu não, até hoje meu instrumento funciona”. Então eu respondia: “Quem tem boca fala o que quer”. Isso é só conversa. Então ele sorria e ia embora com suas compras.
Outro fato, eram as pessoas que deixavam cartas para serem entregues a um certo jornalista, de uma rádio de Itabuna. Quando Ele lia as cartas, impostando a voz com tom de tristeza, eu começava a rir, parecia piada. “Pelo fato de conhecermos o emitente da carta, a coisa tomava um rumo bem humorado:” Eu vivia com minha esposa, tínhamos dois filhos e a gente se amava. Mas aí, chegou um cara novo na fazenda, e a Ritinha ficou toda faceira, se jogando para cima do rapaz. Um dia eu voltei mais cedo da roça, e peguei os dois na minha cama, eu não aguentei: mas logo na minha cama? Com tanto lugar para eles namorarem. Eu amo bastante minha esposa e não quero deixá-la. O que eu faço?” . Ele respondia: “ Ainda bem que você não usou de violência, poderia ser pior para você”. Bem, se a amas, então a perdoe e volte para ela. E o que faço com o safado ? Dá uma pressão, comentando alguma coisa que vai fazer com ele, que com certeza vai dar um salto por cima da cerca e só vai parar quando chegar na Região do Fala Homem.
Tinha um que chegava esbaforido e queria ser logo atendido. Às vezes o balconista estava ocupado, então ia atendê-lo. Ao terminar de comprar, (pois nesta loja só vendia à vista), ele dizia: “Esqueci o talão de cheques em casa, depois você vai lá pegar. Seu moço, pense em uma canseira da peste. O homem podia estar em qualquer compartimento da casa, e gritava, entra aí que eu estou no momento muito ocupado, mas logo lhe atendo. Não eu prefiro esperar aqui.(imagine o local que ele estava?) Então ele vinha e dizia que estava sem talão de cheques e depois passava lá e pagava. Como disse antes, lá não vendia a prazo, qualquer inadimplência era por minha conta e risco. Mas no fim dava sempre certo. Até a próxima.
Francisco Carlos R. Almeida
UM MATUTO INTELECTUAL
De Francisco Carlos Rocha Almeida.
Orlando, era um menino muito inteligente, como morava na roça com a família, com mais seis irmãos, a vida era muito difícil, e estudar mais ainda. Pois, a fazenda denominada Beira do Almada, ficava no Distrito do Bandeira, e para ele ficava muito distante da Escola. Hoje muitos filhos e pais reclamam da escola, do ensino, mas naquela época as coisas eram mais difíceis. Não tinha transporte passando pela porta de graça, livros e farda doados pelo município. Nesta questão ir a escola está muito mais fácil. Tem merenda, a qualidade é duvidosa, mas tem. Mas naquela época não tinha nada disso. Eram tempos penosos para os pobres. Não era bem uma fazenda onde ele vivia, era uma rocinha de 10 hectares, conhecida na nossa região como burara. O almoço, na maioria dos dias, era chamado de jacuba (água fria misturada com farinha), aí sua mãe fritava normalmente dois ovos e eles iam fazendo um bolinho e molhando no mesmo, geralmente com a gema mole. Pois é, mas mesmo assim, aquele menino não deixava de sonhar, e era perseverante, quando lhe perguntavam o que ele queria ser quando crescer, ele dizia: ”eu quero ser padre”. Então os pais perguntavam, por que você quer essa profissão meu filho?” Ele dizia com os olhos brilhando, o padre é inteligente, fala várias línguas, e não passa fome”. Realmente a vida era dura para aquela família, todos os dias eles caminhavam seis quilômetros para chegar ao Bandeira do Almada. “No início tudo eram flores, mas chegava o momento que a professora, dona Secundina, uma mulher gorda, de pele escura, com a voz grossa, dizia quase aos berros:” A partir de amanhã só entra na sala quem estiver fardado”. Como em sua casa eram sete na idade escolar, ficava complicado para seus país confeccionarem o fardamento. Eles, mais preocupados com o filho mais novo, corriam para algum conhecido no Distrito e apelavam para quem tinha uma farda velha. Então conseguiam e davam um jeito de ajustarem a roupa, mas nunca ficava perfeita, pois além de desbotada pelo tempo, a camisa ficava folgada e a calça ficava a meio pau, quer dizer coronha.
Mas aquele menino perseverou, e conseguiu o seu objetivo, entrar no Seminário Católico de Ilhéus. Se passaram três anos, ele já com muito conhecimento, falava bem o inglês, o francês, o latim e outras línguas. Tudo seguia muito bem, quando ele conheceu uma mulher que segundo os seus vizinhos, diziam que ela mexia com magia negra, e que fizera um trabalho para Orlando se apaixonar por ela e deixar o seminário. Aí os dois juntaram os panos e foram morar juntos em outra Fazenda. Pois seus pais não aceitaram sua decisão e não gostavam da nora, pois era uma mulher de natureza rude e de difícil convivência. Então seus pais e irmãos sempre se perguntavam, porque Orlando deixou uma carreira promissora e se casou com essa mulher que já tinha 05 filhos? Pois é, além dos 05 filhos da mulher, eles tiveram mais 04 filhos. Por ganhar pouco para sustentar tantas bocas e uma relação ruim com a mulher. Ele sempre falava: “Por que deixei o Seminário, para levar uma vida tão dura e sem futuro”? E continuava: “Com Deus não se brinca, isso é castigo, é melhor não votares, do que votares e não cumprires (EC 5.5)”. Ele sofria tanto com os desatinos da vida, que aos 52 anos, seu coração parou. Um homem bom, com um futuro promissor, mas não soube fazer a melhor escolha. E a tristeza de sua opção, a decepção que alguns filhos lhe davam, levou-o para o mesmo lugar de onde nascera; na roça, para ali descansar eternamente. Até a próxima.